"Ele (Monark) não estava dizendo que as pessoas deveriam ser nazistas, não estava dizendo que o nazismo é bacana. Estava apenas, por mais odioso que isso seja, levando um argumento liberal tosco às últimas consequências de que todo mundo pode pensar o que quiser. Isso, para mim, não é nem incitação nem apologia ao nazismo. No final do dia, não pode ser crime você sustentar que um determinado crime deixe de ser crime, porque senão você fecha de maneira autoritária o debate público sobre o que deve ser crime ou não."
A advogada menciona também o artigo 17 da Convenção Europeia de Direitos Humanos, que proíbe o uso de um direito (como a liberdade de expressão) para a destruição de outros direitos ou liberdades. Assim, a negação do Holocausto tem sido entendida por Cortes europeias como um abuso da liberdade de expressão, incitação à violência e ataque à honra e à dignidade do povo judeu.
"A negação do Holocausto representa a ideia de que os judeus como pessoas manipuladoras, enganosas e controladoras mentem em relação ao Holocausto, querendo gerar benefícios para eles como se estivessem conspirando contra o mundo. É evidente que essa mensagem promove uma animosidade em relação ao povo judeu", escreve ela em sua tese de doutorado sobre o tema.
Para Baker, esse negacionismo é um discurso de ódio que ataca três bens jurídicos (a igualdade, a honra e a paz) e por isso deve ser punido pela lei.
"O pior e mais relevante são as consequências práticas no dia a dia das pessoas alvo dessas mensagens (negacionistas). Essas minorias se sentem inibidas, intimidadas no seu ir e vir; muitas vezes largam o emprego, deixam de ir à escola, evitam ir a certos lugares, ficam e se sentem desprovidas de poder dar uma resposta."
Há diversos projetos de lei em tramitação no Congresso para criminalizar expressamente a negação ou relativização do Holocausto (ou shoah, em hebraico, que remete a catástrofe, destruição). Mas o que seria esse crime na prática? O projeto de lei do deputado federal Roberto de Lucena (Podemos-SP), por exemplo, cita oito aspectos mostrando que o negacionismo não se resume apenas a argumentar que o genocídio não aconteceu:
"A depreciação (ou a minimização de sua escala e impacto), a deflexão (ou minimização de responsabilidades individuais ou nacionais), as alusões de equivalência antes da guerra e em tempo de guerra (como forma de banalizar o ocorrido, quando os fatos colacionados pelas Forças Aliadas em campos de concentração demonstram a não precedência da escala e dos requintes de crueldade), as alusões de equivalência pós-guerra (por razões assemelhadas), a inversão (culpabilização dos judeus pelo próprio destino ou culpabilização dos judeus por supostas ações assemelhadas, quando, novamente, os fatos históricos confirmam não haver critério de comparação), as acusações de abuso da memória (forma de zombaria aos judeus alegando que enfatizam demais o tema do Holocausto), a obliteração ou o silenciamento da memória (o impedimento de que ações de memória ocorram) ou a universalização ou trivialização do Holocausto como crimes (a comparação leviana do Holocausto com qualquer quadro de gravidade e não desejado supostamente atentatório das direitos humanos)."
Liberdade de expressão no 'mercado de ideias' dos EUA
Em debates sobre liberdade de expressão e discurso de ódio, os Estados Unidos costumam ser citados como exemplo máximo de se dizer o que pensa, inclusive ofensas raciais.
Não há uma definição universal sobre o que é discurso de ódio, mas segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), ele pode ser entendido como qualquer tipo de comunicação que ataque ou use termos pejorativos contra uma pessoa ou um grupo com base em sua religião, nacionalidade, etnia, cor de pele, raça, gênero ou qualquer outro elemento de identidade.
A tolerância ao discurso de ódio varia de um país para outro. "O sistema jurídico americano proíbe o discurso do ódio o mais tarde possível — apenas quando há perigo iminente de atos ilícitos. A jurisprudência alemã coíbe o discurso do ódio o mais cedo possível", exemplifica o jurista alemão Winfried Brugger.
No Brasil, a lei federal 7.716/89 prevê prisão para quem comete discriminação contra os outros por causa de "raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional."
O ordenamento jurídico alemão é o melhor exemplo do que ficou conhecido como "democracia militante" ou "democracia defensiva".
"É um requisito de uma democracia em funcionamento que as pessoas tolerem ideias com as quais discordam. No entanto, alguns discursos, alguns grupos, alguns partidos podem ser tão prejudiciais que os políticos e o público concluem que os riscos que eles representam superam os benefícios de protegê-los. Os alemães viram em primeira mão onde o nazismo pode levar e por isso mesmo a Alemanha está entre os defensores mais ativos do que é chamado de 'democracia militante' — em outras palavras, a noção de que a democracia deve ser defendida, mesmo ao custo de restringir algumas liberdades quando essas liberdades estão sendo exploradas para minar a democracia", afirmou Erik Bleich, professor da Faculdade Middlebury College, em entrevista à BBC News Brasil.
Segundo ele, a Alemanha é a democracia mais restritiva enquanto os Estados Unidos, onde é relativamente comum ver manifestações da extrema direita com suásticas e símbolos de supremacia branca, têm menos regulações.
"Ambos os países ainda permitem uma variedade muito grande de discursos e ações, em diversos espectros ideológicos. A parte difícil dessa história para as democracias é descobrir como restringir, banir ou punir apenas os discursos, grupos e partidos realmente perigosos, deixando o escopo mais amplo possível do que é permitido. Diferentes países desenvolveram soluções diferentes para este enigma".
Tangerino, da FGV-SP, afirmou que o Brasil adotou uma espécie de caminho do meio entre esses dois polos. Ou seja, no entendimento dele, no país "pode-se admitir no campo das ideias a existência de uma organização nazista no Brasil, isto não é crime, mas não se pode agir inspirado por essa ideia nazista, e isto é crime".
"No final do dia, é sempre uma ponderação entre o que você considera mais nocivo. É mais nocivo tolher a possibilidade de determinadas ideias circulem ou as ideias que se quer proibir são mais nocivas? Há três paradigmas. Nos EUA, entendeu-se que era mais nocivo o controle de ideias, mas bem mais ou menos, é só lembrar do que foi o macarthismo e a perseguição aos comunistas. Esse mercado de ideias é livre, pero no mucho."
Inspirado em pensadores como o filósofo britânico John Stuart Mill, o mercado de ideias é o nome dado a um conceito jurídico americano de uma livre circulação de ideias em que quase nada é proibido (salvo raras exceções, como obscenidades e algo que gere perigo iminente ou atente contra a segurança nacional) e que as "melhores ideias" se sobressaem com a demanda no debate e as ruins desaparecem.
Gordon Baker considera esse conceito bastante perigoso. "Cass Sunstein, constitucionalista e professor de Harvard, defende que mesmo o mercado de sapato, de xampu ou de sabão tem regulamento. Além disso, certas mentiras e questões conspiratórias acabam não morrendo, elas continuam. Na questão da verdade, eu acredito que deve haver um debate sim, distribuir o livro Minha Luta, do Hitler, com prefácio explicativo. Mas é preciso ter muito cuidado e responsabilidade ao se usar a liberdade de expressão para tratar da maior crueldade e destruição da dignidade humana".
"Já tentamos um mercado livre de ideias antijudeu e sabe o que aconteceu? O Holocausto. Não há sociedade que permita liberdade irrestrita sem responsabilidade pelo dano a outrem", escreveu Amparo.
Para a jurista feminista americana Catharine MacKinnon, no último século, a discussão sobre liberdade de expressão também acabou sendo usada como arma em debates políticos.
Segundo a especialista, ela deixou de ser "uma proteção para dissidentes, radicais, artistas, ativistas, socialistas, pacifistas e desvalidos para se tornar uma arma para autoritários, racistas, misóginos, nazistas, supremacistas, pornógrafos e corporações que compram eleições na surdina".